Friday, February 13, 2015

INSPIRATION: FRIDAY, 13TH AND OTHER STORIES


Sexta-feira, 13 e outras não-estórias.

Por vezes apetece-me farejar as raízes, mais para esquentar a memória do que para passar o testemunho. Então vou lá atrás ter com a minha avó Maria Antónia a quem devo muito do que sou e a ternura inteira que tenho sobre o mundo. Lembro, por exemplo, o temor de minhas tias ante o meu vício pela leitura. Desde os cinco anos devorava tudo o que apanhava, desde a “Crónica Feminina” da minha mãe, ao “Diário Popular” do meu pai e todos os livros que conseguia emprestados das mais diversas fontes disponíveis, incluindo o sótão da minha vizinha Francisca que tinha duas filhas já crescidas. Ficavam preocupadíssimas, as tias, quando me viam passar os dias a juntar letras e quando comecei a escrever, o receio fundado de que me tornasse um bicho estranho era motivo de troca de olhares aflitos. A minha avó ria-se e tratava-me como uma pequena futura escritora, mas, atenta à realidade aconselhava-me “ As letras não dão de comer a não ser as da massa na canja. Tens que estudar para ser professora.” Esclareça-se que ser professora, na cabeça da minha avó analfabeta, era o topo do estatuto a que uma mulher podia ascender. Grandes esperanças, portanto, como diria Charles Dickens, por quem tive uma pancada aos dez anos de idade.

Cresci, assim, com este vício que sempre se sobrepôs a tudo o resto. Apesar de ter encetado outros caminhos muito distantes das letras e dos romances que me faziam suspirar por drama e finais felizes. Evitei, assim, grandes escândalos para a família e nunca me tornei uma daquelas escritoras neuróticas e bipolares, génios incompreendidos sempre à beira do suicídio e do isolamento em “campânulas de vidro”. Em vez disso, portei-me bem durante uns tempos depois, cansei-me e fui viver.

Nunca deixei que a vida esperasse por mim. Sempre me meteu impressão aquelas vidas poisadas numa esquina qualquer, a fazerem de menina grande e triste, dispostas a vender o seu último sorriso a quem der mais. A vida tem que ser algo nobre e humilde, ladeada de solavancos e imprevistos, honesta como carro velho que orgulhoso sobe a colina iludindo a ferrugem. Sempre me afastei dos momentos em que nunca é o momento, se o que temos é o momento em que a dor se sente, a alegria irrompe, o prazer explode, o instante antes do beijo. O tempo não tem vinda, para isso existem os caminhos.

Comecei tarde a saborear a vida como se fosse uma maçã. A minha avó bebia-a todos os dias com o café “ Poupo no açúcar, já me basta a vida”. Não percebi logo que a minha avó falava ao contrário, como quem começa a ler um livro pelo fim. Para, afinal, lhe vir a herdar o jeito de descrever as coisas do avesso. Tornar a ironia rainha e o riso a sua burguesia.

Obrigado avó Maria Antónia, sobretudo, porque adoravas os dias 13 e as sextas-feiras com braseira e cansaço bom.


Paula Lamares
Fev/2015

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